Considerações semióticas e psicanalíticas sobre a noção de indizível

Tomando como base o instrumental teórico da semiótica greimasiana e, sobretudo, os desenvolvimentos recentes da teoria propostos por Claude Zilberberg, definimos o indizível como sendo o correlato expressivo de uma ultrapassagem aspectual, ou seja, como a manifestação discursiva do “excedente de sentido” (Zilberberg, 2011: 21) gerado por um acontecimento – evento não passível de antecipação, cuja configuração tensiva se caracteriza por um paroxismo em termos de intensidade (tonicidade e andamento) e por uma drástica redução da extensidade (espacialidade e temporalidade). Em virtude do impacto produzido, o acontecimento desmodaliza e silencia o sujeito da experiência: “o acontecimento é antes de tudo um não-sei-quê que deixa o sujeito ‘sem voz’, sem a sua voz” (Zilberberg, 2011: 189). O caráter discursivamente inacessível da vivência abrupta do afeto configura a existência modal de todo objeto-acontecimento no momento de sua irrupção no campo de presença de um sujeito qualquer, ou seja, toda e qualquer vivência de significação é, num primeiro momento, indizível. A tendência, entretanto, é a de que, passado o impacto inicial, a intensidade seja diluída na duração por meio da conversão do acontecimento em discurso (Zilberberg, 2011: 168-169). Nosso objeto de estudo, no entanto, não é um indizível que se resolve, tornando-se “dizível” por meio da conversão mencionada, mas sim um “indizível que persiste”, permanecendo indizível. Consideremos, como exemplo, o testemunho – gênero não ficcional composto por relatos de sobreviventes de experiências de cunho histórico, notadamente, aquelas que marcaram o século XX na forma de grandes catástrofes, guerras e genocídios. Dentre as diversas características do gênero, destaca-se a aparente “relutância do discurso” em face do horror vivido: por sua brutalidade, pela afluência insuportável de afetos que suscita, a experiência-limite (ou uma parte fundamental dela) parece não encontrar, mesmo nas variantes mais elaboradas da linguagem, os meios necessários a sua representação. A persistência do caráter indizível de certos acontecimentos seria o resultado de uma ultrapassagem, isto é, da expansão de uma matriz de natureza aspectual (Zilberberg, 2012: 55) com o surgimento de um novo limite que vem suplantar o limite previamente estabelecido (Zilberberg, 2002). Em termos expressivos, essa ultrapassagem parece exigir uma forma “oblíqua” de representação, circunscrita pela noção de indizível e concretizada em estratégias linguísticas como a predicação negativa, que delimita o objeto ao enunciar precisamente aquilo que ele não é e as características que ele não possui. A partir da conjuntura semiótico-tensiva apresentada, e considerando a viabilidade de uma abordagem transdisciplinar que nos permita recorrer a alguns conceitos-chave da psicanálise, procuraremos investigar em que medida a vivência traumática freudiana pode ser “semiotizada” na forma de um acontecimento – uma vez que, segundo Freud (1916-1917: 299), o adoecimento traumático (a neurose) “nasceria da incapacidade de dar conta de uma vivência carregada de um afeto muito intenso”. Procuraremos, ainda, evidenciar possíveis pontos de convergência entre o "real" lacaniano (Lacan, 1953), que compreende tudo aquilo que escapa ao registro simbólico, e a noção geral de indizível, tal como a definimos acima. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil.
País: 
Brasil
Temas y ejes de trabajo: 
Semiótica y narratología
Semiótica y psicoanálisis
Institución: 
Universidade de São Paulo
Mail: 
adriana.inacio@usp.br

Estado del abstract

Estado del abstract: 
Accepted
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